As condensações de Perejaume

As duas obras do artista catalão Perejaume apresentadas em Condensacions são definidas, no subtítulo da exposição, como “dois exercícios muito simples de museologia, cinematografia e espaço”. A simplicidade reivindicada como título da exposição adequa-se perfeitamente ao que nos é mostrado, desde que não nos esqueçamos de que o “simples” é de difícil obtenção e dá muito trabalho. Espaço e tempo são os vetores sobre os quais Perejaume trabalha, mobilizado por duas questões escritas sobre as paredes escuras da entrada do espaço expositivo: ¿No os parece que las obras empiezan a ser tan valiosas como el lugar que ocupan? ¿No oís que, de tantas como hay, las obras dicen y redicen, tanto al que las visita como al que las hace: “No cabemos, hacednos sitio”?

As estratégias encontradas pelo artista para “criar lugar” para estas obras inserem sua poética em uma linhagem da história da arte contemporânea na qual encontramos artistas como David Claerbout e Douglas Gordon. Tais artistas têm uma produção marcada pela reconfiguração das relações espaço-temporais constitutivas de imagens que já estão prontas e em circulação pelo mundo. Intervenções “simples” nos mediadores técnicos de reprodução, armazenamento e difusão destas imagens despertam o olhar do espectador de tais trabalhos para aspectos que se encontravam adormecidos ou apenas virtualmente presentes nas imagens em suas durações originais.

O primeiro trabalho consiste em uma fotografia em preto e branco realizada a partir da exposição de 140 quadros do filme El Ball de l’Espolsada, realizado em 1902. A filmagem deste que é um dos antigos filmes rodados na Catalunya foi feita pelo estúdio Napoleão de Barcelona em um contexto no qual esta dança popular estava sendo recuperada depois de quase 50 anos de esquecimento. A restauração desta cópia, pertencente ao Museo Etnológico de Barcelona e depositada na Filmoteca de la Generalitat de Catalunya permitiu a redescoberta da coreografia original. A espacialização do tempo da dança nos limites de uma fotografia realizada por Perejaume produz um borrão indecifrável onde se supõe que estavam as figuras humanas. Esta mancha na imagem é tensionada com a própria história “documental”, “etnológica” do filme que lhe dá origem. A “coreografia original” também está inscrita nesta imagem abstrata. Perejaume não representa nem documenta, ele inscreve.

Screen Shot 2015-10-14 at 1.02.22 AM

O segundo trabalho realiza o gesto inverso. Ao invés de estabilizar uma imagem cinematográfica em fotografia, o artista coloca imagens originalmente estáticas em movimento através do dispositivo cinematográfico. Um projetor exibe Projecció cinematogràfica del llegat Cambó. Francesc Cambó (1876-1947) doou grande parte de sua coleção de pintura à Cidade de Barcelona. O fundo composto de 52 pinturas de grandes mestres  europeus dos séculos XIV ao XIX (Veronese, Tintoretto, El Greco, Rubens, Metsys, Gainsborough, Le Brun, Goya, Fragonard, Quentin de la Tour, Lucas Cranach, Tiepolo…) é a doação mais valiosa que o Museu d’Art de Catalunya já recebeu. Perejaume projeta cada obra do fundo Cambó em um fotograma e o olhar contemplativo mobilizado pelas telas cedem lugar à vertigem de um fluxo cromático.

Condensacions: Dos ejercicios muy simples de museografía, cinematografía y cabida pode ser visitada até o mês de novembro na Galería Joan Prats, em Barcelona.

Perejaume (Sant Pol de Mar, 1957) recebeu prêmios como o Premio Nacional de Arte Gráfico de la Real Academia de Bellas Artes, o Premio de Artes Plásticas del Ministerio de Cultura e o Premi Nacional d’Arts Visuals de la Generalitat de Catalunya. Recentemente fez a curadoria da exposição Maniobra de Perejaume no Museu Nacional d’Art de Catalunya, Barcelona. Exibiu sua obra em exposições como ¡Ay Perejaume, si vieras la acumulación de obras que te rodea, no harías ninguna más!, La Pedrera, Barcelona; Imágenes proyectadas, CAB Centro de Arte Caja Burgos, Burgos; Amidament de Joan Coromines, Es Baluard, Palma de Mallorca, La Pedrera, Barcelona; Retrotabula, Palacio de los Condes de Gabia, Granada, Artium Vitoria. Participou nas  bienais Prospect 1 New Orleans (2008), Art Unlimited, Basel (2006), 51 Bienal de Venecia (2005). Publicou recentemente Mareperlers i Ovaladors, Edicions 62, Barcelona (2014) e Paraules Locals, Tushita edicions, Barcelona (2015).

 Icaro Ferraz Vidal Junior

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