Paisagens para contemplar sem iPod

Detalhe. Richard T Walker, "the predicament of always (as we are)" (2014). 2-channel HD digital video installation, color, sound, 12 min 2 sec
Detalhe. Richard T Walker, “the predicament of always (as we are)” (2014). 2-channel HD digital video installation, color, sound, 12 min 2 sec

Quem passou pela àngels barcelona até ontem pôde visitar In accordance with things, terceira exposição individual de Richard T. Walker, artista inglês baseado em San Francisco, na galeria. Linguagem e paisagem são dois temas centrais da poética de Walker e reapareceram neste conjunto de obras apresentado em Barcelona. David Armengol abre o texto curatorial com uma menção à Pierres (Pedras), ensaio no qual o sociólogo francês Roger Caillois apresenta a enigmática, e talvez mística, ideia de que se trata de uma questão de escala: toda pedra é uma montanha em potencial. A referência não é gratuita, uma vez que pedras funcionarão na produção reunida em In accordance with things como catalisadores de processos nos quais o material e o simbólico imiscuem-se e, neste sentido, Walker parece alinhar-se ao conjunto de artistas, críticos, filósofos e curadores cujas produções levam à cabo a mais recente transição epistemológica do pensamento ocidental, na direção de formas e sistemas que se esquivam ao reducionismo materialista, mas que não abrem mão da matéria.

Richard T Walker, "the vulnerability of the actual in the presence of itself" (2015). Mounted archival inkjet print, easel, rocks, Casiotone MT 68 keyboards.
Richard T Walker, “the vulnerability of the actual in the presence of itself” (2015). Mounted archival inkjet print, easel, rocks, Casiotone MT 68 keyboards.

A menos que sejam predicadas como “preciosas” ou que sejam observadas por um geólogo, pedras quase nunca se prestam a longos exercícios de interpretação. As pedras, à primeira vista, encarnam a inércia e o caráter inanimado de uma materialidade pura. Mas Richard T. Walker extrai sons destas paisagens pedregosas em um gesto metonímico que lança pequenas pedras contra instrumentos musicais, como é o caso de the predicament of always (as we are) (2014), vídeo que pôde ser ouvido por todo espaço expositivo da àngels e que magnetizou o olhar e a escuta de quem visitou a segunda sala da exposição. Sob(re) a aparente estabilidade das montanhas, Walker joga com o peso que, como sabemos, provém da ação de uma força (a da gravidade) sobre os corpos. Tanto no vídeo mencionado quanto na escultura the vulnerability of the actual in the presence of itself (2015), o artista criou dispositivos através dos quais serviu-se da lei da gravidade para extrair sons de paisagens e compor com eles.

Através de uma série de 12 fotografias intitulada a paradox in distance (repeated), o artista parece elaborar visualmente a afirmação de Caillois concernente à escala. Nestas fotografias, o recorte impresso da imagem do topo de uma montanha está acoplado às costas do artista, que dispõe de seu violão e de uma escada, com esta paisagem – que poderia ter inspirado a própria montanha que o artista carrega nas costas – ao fundo. As doze fotos documentam o movimento do artista até que este se posicione de modo que o pico de montanha ou ponta de pedra que carrega nas costas entre em continuidade com a paisagem que constitui seu horizonte. O gesto do artista parece ser herdeiro daquele vulgarizado por turistas que seguram a Torre Eiffel, o Cristo Redentor, a Torre de Pisa… Mas diferentemente de um eventual narcisismo implicado no ingresso humano na escala dos monumentos, o ingresso na escala da paisagem parece diluir o antropocentrismo e abrir caminho para que, como aponta Armengol, a paisagem nos observe, e não o contrário.

Richard T Walker, "a paradox in distance (repeated)" (2015), 12 color photograhps, Fuji Crystal Archive print 37 x 46 cm (each one)
Richard T Walker, “a paradox in distance (repeated)” (2015), 12 color photograhps, Fuji Crystal Archive print 37 x 46 cm (each one)
Richard T Walker, "a paradox in distance (repeated)" (2015), 12 color photograhps, Fuji Crystal Archive print 37 x 46 cm (each one)
Richard T Walker, “a paradox in distance (repeated)” (2015), 12 color photograhps, Fuji Crystal Archive print 37 x 46 cm (each one)

O cume carregado pelo artista na série fotográfica parece consistir em uma ampliação do recorte realizado sobre uma antiga gravura que apresenta justamente uma montanha (the fallibility of intent, de 2015). Este recorte reaparece ainda na capa do LP the predicament of always (as it is / as we are), de 2015, sobreposto a pequenas pedras. O jogo com a escala aqui caminha em paralelo com o ecossistema midiático que o artista mobiliza em in accordance with things, que é também o nome de uma obra que consiste em um gravador de fita cassete, aparentemente acoplado a the vulnerability of the actual in the presence of itself. A escuta íntima do vinil e da fita cassete portariam algo desta paisagem grandiosa, nos mesmos termos em que o pequeno e o grande são articulados na capa do vinil.

Richard T Walker,"the fallibility of intent #5" (2015) Cut-out archival print, 47,5 x 47, 5 x 6 cm
Richard T Walker,”the fallibility of intent #5″ (2015) Cut-out archival print, 47,5 x 47, 5 x 6 cm
Richard T Walker, "the predicament of always (as it is / as we are)" (2015). Vinyl.(Front cover)
Richard T Walker, “the predicament of always (as it is / as we are)” (2015). Vinyl.(Front cover)

In accordance with things não é uma exposição sobre pedras ou montanhas, mas as múltiplas e complexas camadas de sedimentos dos quais as montanhas são efeito parecem fornecer o modelo topológico segundo o qual Richard T. Walker constrói suas belas imagens e seus inquietantes sons.

Richard T. Walker (Shrewsbury, Reino Unido, 1977) realiza vídeos, fotografias, esculturas, instalações e performances. Em 1999 graduou-se em Belas Artes na Bath Spa University College e, em 2005 realizou um mestrado em Belas Artes na Goldsmiths College de Londres. Suas obras foram recentemente exibidas em Fabra i Coats, Barcelona; Cristopher Grimes Gallery, Santa Monica; James Cohan Gallery, Nova York; Carroll/Fletcher, Londres; Kadist Art Foundation, San Francisco; The San Francisco Museum of Modern Art; Yerba Buena Center for the Arts, San Francisco; Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro; Witte de With, Rotterdam; y K21, Düsseldorf. Walker recebeu a bolsa do Kala Art Institute, Berkeley em 2007 e o prêmio Artadia em 2009 e durante estes mesmos anos frequentou a Skowhegan School of Painting and Sculpture, Maine. Em 2011 Walker foi artista residente no Headlands Center for the Arts, Califórnia. Atualmente é professor titular do California College of the Arts e foi professor visitante na Universidade de Califórnia, San Diego; San Diego State University; Mills College; Stanford University; e na Århus Kunstakademi. Sua obra integra importantes coleções públicas e privadas como as da Kadist Art Foundation (Paris e San Francisco), K21, Düsseldorf e a do San Francisco Museum of Modern Art. Richard T. Walker vive em San Francisco.

Outra exposição individual do artista,  everything failing to become something, pode ser visitada até o dia 14 de novembro em Carroll / Fletcher, 56-57 Eastcastle Street, Londres, W1W 8EQ.

Icaro Ferraz Vidal Junior

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s