Galeria Transparente: Showroom

Quem ainda não foi ao Centro Cultural Justiça Federal (Rio de Janeiro) visitar a exposição Galeria Transparente: Showroom tem até o dia 24 de abril para fazê-lo. No quadro da exposição, está acontecendo um ciclo de performances, aos sábados, com a curadoria de Frederico Dalton e Clarisse Tarran. Neste sábado, dia 16 de abril, o programa conta com Regina Vater, André Sheik e Coletivo S.T.A.R (Adriana Tabalipa e Roderick Steel) e no sábado que vem (o último), dia 23 de abril, com Tato Teixeira e Lilian Amaral.

Acompanho a Galeria Transparente desde o comecinho e acho o projeto fascinante. Tive a sorte de entrevistar o Frederico Dalton, fundador da GT, para O Cluster em 2015 e, de lá pra cá, não perco uma exposição!

Abaixo compartilho o texto que escrevi para a exposição Galeria Transparente: Showroom e que pode ser encontrado em versão impressa lá no CCJF.

Galeria transparente: Showroom

Para quem conhece a página da Galeria Transparente no Facebook, a evocação da ideia de showroom como título desta exposição deve ter provocado, no mínimo, uma certa curiosidade. A Galeria Transparente surgiu em 2014 a partir de uma fotografia realizada pelo artista Frederico Dalton de um retângulo construído na calçada da Rua da Glória, possivelmente para abrigar uma banca de jornal que, até hoje, ainda não foi instalada. Interferindo digitalmente na imagem, o artista inseriu um trabalho seu no espaço desta fotografia e a publicou em seu perfil pessoal no Facebook. Logo após esta postagem, o artista carioca Bob N enviou a Dalton uma imagem para ser exposta neste mesmo espaço digital que, a partir do nascimento da Galeria Transparente como página na rede social, agregou uma camada de virtualidade àquele retângulo, atualizando em nossa era 2.0 a máxima que postula o mundo como museu.

Showroom, portanto, sendo uma palavra que nos remete imediatamente ao universo semântico dos lançamentos imobiliários, de automóveis e de toda a sorte de commodities que consistem no lastro material dos processos de gentrificação, parece nada ter a ver com a Galeria Transparente, cuja origem é indissociável da imaterialidade desta ocupação primeira, que não contou com nenhum instrumento além daqueles disponíveis na toolbox do Photoshop e de uma página no Facebook. Mas, contra esta primeira intuição, cumpre observar que os modos de operação de um Showroom e da Galeria Transparente aproximam-se na medida em que ambos dependem da imaginação de seus clientes e visitantes, respectivamente, para funcionarem. Um casal que visita o showroom de um lançamento imobiliário, como bem observa Frederico Dalton, precisa ser capaz de imaginar, a partir de desenhos técnicos, maquetes e ilustrações, suas próprias vidas nestes espaços ainda por construir. Esta mobilização do imaginário a partir da imagem é também o motor da Galeria Transparente, tanto no que concerne aos artistas, quanto no que diz respeito a seus “visitantes”.

Galeria Transparente: Showroom é, num certo sentido, a entrega das chaves deste apartamento, novinho em folha, ao casal acima. Se no plano do imaginário as possibilidades tendem ao infinito – mesmo se tivermos falando nos 50m2 dos novos apartamentos ou nas modestas dimensões da Galeria Transparente –, no plano material, os corpos atritam-se, pesam, ocupam um, e apenas um espaço, num determinado tempo. De modo que se descobre que aquele sofá lindo, superconfortável e no qual o casal, ainda no Showroom de móveis, imaginava seus amigos bebendo cerveja e assistindo a uma partida de futebol, não passará pela porta deste apartamento. Mas é importante também observar que o imaginário e a presença material no mundo guardam relações entre si. Este incidente do sofá, seguramente, introduzirá a largura da porta como limite a partir do qual este casal irá, caso venham a adquirir novos imóveis, estruturar seus imaginários.

Quando saímos do horizonte homogeneizante dos lançamentos imobiliários, com seus espaços gourmet e piscinas com bordas infinitas, e adentramos o Showroom da Galeria Transparente, nos deparamos com o caráter proteiforme* que o imaginário pode assumir. Primeiramente porque, por princípio, cada exposição instalada no espaço virtual do Facebook apresenta o resultado de operações singulares de ocupação deste espaço retangular que têm lugar no imaginário do artista que lá expõe. Além disso, o artista prescinde das “imagens meramente ilustrativas” – que nos lançamentos imobiliários não representam jamais a piscina do condomínio em um dia de chuva – para direcionarem seus imaginários. Uma poética própria, resultante da inscrição do gesto de criação artística no regime da singularidade, depende de um trabalho autônomo sobre o próprio imaginário por parte do artista. Mas isto não é tudo.

Outra questão que a Galeria Transparente: Showroom nos permite acessar são os processos, igualmente singulares, através dos quais a virtualidade do imaginário de um artista atualiza-se na criação de uma presença material inédita no mundo. Neste sentido, os 25 artistas expostos neste Showroom preservam como limite estruturante de seus gestos criativos os trabalhos expostos como imagem digital na página da Galeria Transparente do Facebook. Não há formulas para esta negociação entre este imaginário criador, em um primeiro gesto, de uma imagem digital (que também resultará de uma negociação entre imaginário e o software) e a espacialidade do Centro Cultural Justiça Federal.

As experiências que inscrevem as atividades da Galeria Transparente entre a virtualidade da rede e a atualidade do espaço da rua e, agora, do Centro Cultural Justiça Federal não desafiam apenas os artistas que nela expõem. Indagar os atuais limites e reconhecer as potencialidades da ocupação e da invenção a partir dos espaços virtuais é algo que concerne a artistas, pesquisadores, críticos, agentes e instituições culturais e, claro, ao público. Uma visita ao Showroom da Galeria Transparente é uma excelente oportunidade para conhecer esta experiência pioneira e colocar o imaginário em contato com a matéria, a partir das obras, concebidas por estes 25 artistas especialmente para a exposição. Mas atenção porque é por tempo limitado.

(*) Proteiforme: adj. Que muda de forma frequentemente (como Proteu, deus da mitologia grega). (Nota do curador)

Icaro Ferraz Vidal Junior

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